Tempos dificeis
Os rapazes sem escola. O marido com o braço direito imobilizado e cheio de dores. A mãe preste a enlouquecer só de pensar que vai passar quase mais um mês a tratar de cinco.
Adoro a minha família mas todos precisamos de espaço, ou pelo menos eu preciso de espaço. Gosto da algazarra mas também adoro a solidão, só eu e o meu livro sem interrupções. Ontem fugi para o quintal, só para poder ler algumas páginas sossegada. Ainda assim ouvi os rapazes dentro de casa a chamar por mim. O pai dizia que eu tinha saído mas eles continuaram no meu encalço. Por fim o Santiago vestiu o casaco, calcou os sapatos e foi dar comigo escondida na cama de rede. Claro que já não se calou mais, estão numa fase que falam pelos cotovelos. Falam tanto que fico com a cabeça cansada só de os ouvir.
Chamam por mim 5000 mil vezes. Pedem comer a toda a hora. Tentamos explicar que a comida não abunda nos supermercados e que devemos evitar esses sítios. Na verdade a minha decisão de evitar os supermercados não é tanto pelo receio de apanhar o vírus, mas sim pelo comportamento humano. A ultima vez que pus os pés num assisti a duas mulheres que quase partiram para a violência pelo ultimo molhe de brócolos. É triste ver este tipo de comportamentos mas demonstram bem o que nos tornamos. Pensamos em nós, nós, nós, nós , nós e só depois nos outros. Se tivemos este descalabro por causa de um vírus imaginem se estivéssemos perante uma situação extremamente grave.
Seria bom que agora que a maioria está fechada em casa aproveitasse para reflectir sobre as nossas atitudes e valores. A mudança parte de todos nós.
Nós por aqui vamos tentar gerir o comer que temos em casa e talvez recorrer às entregas em casa, se ainda estiverem a funcionar.