Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
Pode parecer mentira mas assim que entrei naquela casa fechada hà mais de 40 anos idealizei como iria ficar.
Quando expliquei os meus planos muitos foram os que me olharam como se fosse um sonho impossível.
O primeiro obstáculo era a parede interior de xisto que dividia o edifício em duas mini casas diferentes. Na minha cabeça essa parede não existia e tinhamos uma tela em branco.
Depois de muita discussão e de me provarem por A mais B que a remoção daquele xisto todo iria ficar um balúrdio. Mão de obra e muitos contentores de entulho iriam acabar com o orçamento antes mesmo de começar.
Acabei por me conformar e passei a pensar nas formas de usar a parede a nosso favor.
Contudo quando iniciamos a obra surgiu uma pessoa interessada em ficar com o xisto e fazer a remoção do mesmo por um valor minimo. Os planos originais voltaram e dissemos adeus à parede.
Entretanto teve início a saga das escadas. Pedimos orçamento a uma empresa conceituada e recebemos um valor que não nos passava pela cabeça. Era muito mas muito superior ao que poderíamos pagar e só nos restou procurar alternativas.
Felizmente encontramos alguém que estava disposto a concretizar o desenho que existia na nossa mente e já temos o resultado final.
Falta o acabamento mas estamos contentes com o resultado que custou cerca de um décimo do orçamento da outra empresa.
Os últimos dias foram passados a negociar janelas e na próxima semana vamos começar a pensar a cozinha.
Aos poucos a coisa vai andando. Vemos paredes forradas, paredes que queremos manter em xisto, canalização, electricidade.
O marido seguiu para mais uma semana de trabalho na nossa casinha da aldeia. Ele e os companheiros vão trabalhar o máximo de horas possíveis. Por norma, até 12 horas por dia para avançar com a obra. Estes dias são passados entre trabalho, comer e dormir. Os telefonemas são escassos e rápidos porque o cansaço aperta.
Eu seguro as pontas em casa. Nestes dias só posso contar comigo. Todos aqueles pequenos gestos que ele faz quando está em casa, que parecem banalidades, acabam por se revelar muito mais que isso. Quando ele ajuda um dos gémeos a ler porque a minha paciência para esse dia já esgotou. Quando aceita jogar uma partida de damas permitindo assim uns minutos de descanso para a minha cabeça. São tantas pequeninas coisas... Coisas que não vão acontecer nos próximos dias.
Até ele voltar vou tentar fazer o melhor que posso enquanto me preocupo pela distância que nos separa. Preocupo-me com as viagens, com as obras.
Por outro lado aguardo ansiosamente que ele regresse. Carregado de fotos e vídeos do actual.
São semanas e semanas de sacrifício mas estamos certos que o resultado vai valer a pena.
A nossa relação passou por muitos obstáculos. Uma adolescência. Uma anorexia. Um aborto. Quatro gravidezes. Um parto pré termo. Dois bebés prematuros. O dia a dia com quatro filhos. Uma mudança de casa. Alguns problemas monetário aqui e ali.
Vinte e dois anos a trabalhar em conjunto. Umas vezes melhores que as outras. Zangas pelo meio, porque também são precisas.
Agora estamos de frente a um novo obstáculo. O meu sonho tornou-se o nosso sonho. Suponho que aconte a muitos casais. Eu idealizei a nossa casa na aldeia assim que lá entrei. Vi para além do pó de décadas. Muito para lá das madeiras podres e do chão que rangia.
Na minha cabeça ficaram os sonhos de como iria ficar quando pronta. Acreditei que o meu homem deixaria a meu cargo os planos mas estava enganada. Com o passar do tempo está mais entusiasmado que eu. Dou por ele a pesquisar tipos de chão, modelos de escadas, soluções diversas. É certo que já andamos às turras por opiniões diferentes. Cada um a argumentar porque a sua ideia é a melhor. Desenhos feitos em folhas de papel para tornar visível o seu ponto de vista.
Apesar destes desentendimentos fico feliz. Quando chegarmos ao fim, se chegarmos so fim, a casa não será como idealizei mas será nossa. Terá um pouco de mim e dele também o que tornará tudo mais especial, um lar em vez duma casa.
Aos poucos vamos avançando com o restauro da nossa casa centenária. Temos procurado soluções locais e deixem que vos diga as diferenças que noto.
Quando preciso de alguma intervenção na casa do distrito de lisboa é difícil encontrar soluções. Temos que fazer mais de vinte telefonemas. Estão sempre todos muito ocupados e é quase preciso implorar para que alguém venha resolver o assunto. Os preços são inflacionados mas estamos tão desesperados que pagamos o que nos pedem. Exigem imediatamente metade do valor do orçamento antes de fazer o que quer que seja.
Na aldeia tudo está a ser diferente. Se ligamos para alguém são muito mais abertos. Estão sempre disponíveis para ajudar e se não é propriamente a sua área indicam quem nos pode fazer o serviço. Fornecem opiniões valiosas e até se voluntariam para efectuar coisas que nunca haviamos pensado. Entregam materias com facturas para pagamento quando puder. Existem ainda aqueles que temos que andar constantemente a pedir nib para acertar contas e ainda nos respondem que não há pressa. Nós que gostamos de pagar tudo na hora ficamos confusos com esta maneira de ser. Só tenho a dizer bem desta gente sociável que adora ver vida nas suas terras.
Brevemente, se tudo correr bem, serão mais seis cabeças a passear pelas ruas, mais quatro crianças a gritar pelos caminhos. Não sei se sabem ao certo o que está para chegar 😁
Reza a história que há muitos, muitos anos a nossa ruína era o lar de duas famílias. As famílias juntaram-se para aumentar a altura da casa e colocar um telhado novo. Uma das filhas de uma das famílias, ex-proprietária da casa, contou que destaparam a casa num dia. Quando amanheceu o segundo dia viram nuvens de chuva que se aproximavam. Ficaram em pânico. Habitavam a casa ao mesmo tempo que faziam as obras, além disso todo o interior era de madeira que poderia não ficar em condições se ficasse muito molhada.
A população da aldeia ajudou. Várias pessoas forneceram oleados e assim a casa foi coberta durante uns dias. Por fim a chuva passou e as obras foram concluídas.
Os anos passaram e um certo casal adquiriu esta velha casinha. A primeira coisa a ser feita era a colocação de um novo telhado.
O velho foi retirado e... Adivinhem...
Claro que a chuva veio assim que estava tudo destapado. Felizmente foi durou um dia e apenas durante alguns períodos. A obra fez-se mas é impressionante como a história se repete.
Sim, eu sei que disse que é dia de festa mas ninguém faz anos.
Então é dia de festa porquê?
As obras de Santa Engrácia que duraram muito mais que o aceitável estão finalmente prontas. Houve casas inteiras construidas em menor tempo que demoramos a ter um poliban funcional, só um poliban. É mais fácil ter um filho do que fazer uma pequena obra. Digo-vos que podia escrever um livro só sobre esta pequena obra.
Por isso minha gente hoje é um dia de festa. Estamos todos muito contentes e está tudo ansioso para experimentar a coisa.
Provavelmente estão a pensar que sou uma exagerada, onde já se viu tanta felicidade por um simples poliban.
Pois eu só vos digo para tentarem conciliar seis banhos numa só banheira depois de um dia de trabalho e depois vão perceber a alegria que sentimos.