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Quatro Reizinhos

Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.

A vida continua

Continuamos em casa, os rapazes mais velhos com aulas por videoconferência, os pequenos com actividades preparadas por nós. O marido não está melhor, aguarda uma consulta num especialista para decidir o que fazer. 

Assim continuamos todos vinte e quatro, sobre vinte e quatro horas juntos e devo dizer que não tem sido nada mau. Acalmada a euforia de estarmos juntos em família ficou apenas uma tranquilidade no ar. Os rapazes estão mais calmos e menos nervosos. O medo do vírus está adormecido e eles estão felizes.

Tudo isso fez com que nós, os crescidos, conseguíssemos relaxar. Passamos a encarar este período como uma bênção. Proporcionou algo que sempre chorámos, tempo em família, tempo para nós.

Assim aqui vamos continuar nesta espécie de férias extra longas decididos a criar muitas boas memórias destes dias. 

-Quero ir para casa da avó!

Estava a conversar com o marido sobre o fim do estado de emergência e na possibilidade de podermos ver os nossos pais.

- Eu quero ir uns dias para casa da avó! - disse logo o Salvador

- Tu estavas a ouvir a conversa?

- Claro que sim.

- Queres ir para casa da avó. Tens saudades?

- Sim tenho mas quero ir por outro motivo.

- Qual?

- Às vezes vocês não me dão lanche nem jantar e a avó deixa comer tudo o que eu quiser.

Claro que não consegui evitar rir do discurso. Somos uns péssimos pais que só damos lanche e jantar à três dos nossos rapazes 😂

Conhecendo melhor o Santiago

Nestes últimos dias percebi que o Santiago está desenvolvido demais, tem uma capacidade de raciocínio que não deixa de me espantar. É um mestre em quatro em linha, é quase impossível vencer o rapaz neste jogo. Acreditem que tanto eu como o pai o tentamos vencer a todo o custo, somos ambos bastante competitivos por sinal, mas raramente conseguimos. Nas poucas vezes que temos sucesso o rapaz revela muito mau perder o que faz com que jogue ainda com mais afinco e nos dê uma tareia.

O mau perder também o torna um pouco batoteiro, principalmente em jogos de cartas. Quando chama por mim para jogar ao UNO e diz que já tem tudo pronto sei que esteve a preparar o jogo de forma a ganhar. Não sei bem como faz mas acreditem que as cartas boas vão todas parar à mão dele. O jogo acaba com mais de vinte cartas na minha mão e o rapaz vitorioso. 

Também percebi que o rapaz adora fazer trabalhos. Gosta de praticar letras mas prefere a matemática. Passa o tempo a pedir para preparar contas para ele fazer. Também na execução dos trabalhos gosta de ficar em primeiro lugar, faz de tudo para acabar antes do irmão. Quando não termina primeiro tenta mostrar que fez melhor que o irmão para garantir a vitória. 

Aos poucos vamos tentando contrariar estas necessidades de ficar em primeiro mas não está fácil. É uma competência que teremos que trabalhar durante os próximos meses. 

Apesar deste espírito competitivo o Santiago é um doce. Nos últimos tempos ganhou a alcunha de pega monstro porque está sempre agarrado a alguém. Ou está deitado em cima de mim no sofá ou está sentado ao colo do pai.  Se não está abraçado ao Salvador a dizer que o adora, a ver televisão colado ao Leonardo ou a ser a sombra do Guilherme.

No outro dia perguntei-lhe como vai ser quando voltar à escola. Olhou para mim com lágrimas nos olhos e disse que vai ter muitas saudades. 

Isto de estarmos todos juntos não é fácil mas quando chegar a hora da normalidade vai ser muito mais difícil. 

 

Estes últimos dias

Passam uns iguais aos outros. A maioria do tempo não consigo sair da cozinha. A preparação de quatro refeições para seis pessoas ocupa imenso tempo. Para ser honesta ocupa mais tempo porque tenho inventado muito. Na necessidade de ocupar tempo virei-me para a culinária. Agora cá estou eu a fazer pasta caseira, tortilhas de raiz ou masmellos. Até que estou a adorar esta parte ao contrário do marido que diz que o número na balança está a subir. 

O restante tempo é passado entre livros e escola. Ajudar os rapazes no envio dos trabalhos efectuados. Na organização das tarefas a cumprir, das aulas a assistir. 

Tempo morto é coisa que não existe nesta casa, curioso não é? 

 

Nem quis acreditar no que vi ontem

Depois de mais de uma semana fechados em casa alguns bens essenciais começavam a faltar. Não tive outro remédio se não sair para ir às compras. Cheguei à porta do supermercado dez minutos antes da hora de abertura, entrei sem problemas e não vi nada de anormal. É certo que alguns bens desapareceram ou foram, estratégicamente, trocados pelos similares mais caros mas só compra quem quer. Eu acabei por não trazer certos produtos porque me recuso a pagar bens inflacionados. Talvez, num futuro próximo, terei que o fazer mas só quando não conseguir evitar.

No entanto o que mais me espantou foi a situação que vi quando saí do supermercado. 

Ao sair do estabelecimento vi uma mãe com duas crianças a passar a fila de pessoas para falar com o segurança. Senti pena daquela mãe que se via forçada a levar as crianças consigo, uma ainda de colo e outra que não teria mais que 3 anos. Enquanto avançava para o carro vi um homem com um carrinho aproximar-se da entrada. Estranhei o facto e observei um pouco. Percebi que a mãe que tinha passado por mim e que tinha entrado no supermercado tinha parado a poucos metros da porta à espera. O homem explicava algo ao segurança enquanto apontava para a senhora e as duas crianças. O segurança limitava-se a abanar a cabeça recusando deixar o homem entrar.

Afinal a pobre mãe que se via obrigada a ir às compras com as crianças não estava sozinha. Fiquei chocada. As pessoas continuam a fazer o que bem entenderem sem pensar nos resultados das suas acções. 

Soube bem

Ontem à hora de jantar perguntei aos mais velhos se queriam dar um pequeno passeio comigo. Faz quase um mês que não saem da propriedade e a nossa saúde mental começa a dar conta disso. 

Disseram prontamente que sim. Pedi que fossem preparar enquanto arrumava a cozinha. Minutos depois o Guilherme veio dizer que o Leonardo estava com muito medo de sair. Resolvi esclarecer o assunto e fui conversar com ele. Sim tinha algum receio mas nada comparado com o que o mais velho tinha dito. Pensei que talvez o mais velho tivesse juntado o seu medo ao assunto. 

No fim acabamos por sair perto das nove da noite. Se durante o dia vemos muitas pessoas a caminhar a noite é o oposto. Tivemos as ruas para nós. Os animais fazem mais ruído que o habitual. Ouvimos o sino de uma igreja que nunca antes tinha soado. Ao chegar à casa os rapazes referiram que tinha sido muito bom esticar as pernas.

Claro que não o vamos fazer todos os dias mas vai passar a fazer parte dos nossos planos com alguma regularidade. 

O isolamento apenas nos tornou mais próximos

Pode parecer um cliché mas é a mais pura verdade. Este isolamento só nos trouxe proximidade e não apenas com o meu marido e filhos. 

O facto de estarmos juntos 24 sobre 24 horas permitiu descobrir coisas que desconhecíamos, neles e em nós. Consegui finalmente ter tempo para os meus filhos. Para os acompanhar em todos os trabalhos, para os ajudar nas dúvidas e apoiar nas dificuldades. Tempo para brincar com eles, para jogos em família ou sessões de cinema em casa. Para os ver brincar é brigar em conjunto. Para os ensinar a molhar bolachas no leite ou pão no ovo estrelado. Experimentar novos sabores e sair das nossas limitações habituais. 

Sobretudo estes dias trouxeram saudade. Da família a quem falamos por vídeo chamada. Dos amigos em quem pensamos todos os dias. Dos colegas por quem rezamos todos os dias. E dos vizinhos com quem conversamos com muros pelo meio.

Sim estamos longe mas sinto-me mais perto deles do que quando os podia ver. Falamos mais longe do que quando estávamos juntos. Percebemos agora o que de facto importa e isso cria toda uma nova forma de vida. Se as pessoas sempre foram o mais importante para mim percebo agora que são a única coisa que importa.

 

Só quero proteger a infância deles

Não tenho sido muito honesta com os meus filhos. Nunca lhes menti mas, nestes últimos tempos, tenho omitido a verdade. 

As notícias são vistas quando eles estão entretidos no piso de cima. As conversas sobre o tema são tidas sorrateiramente. Quando entram em cena o tema é contornado e retomado um pouco mais tarde. 

Não sei se estamos a fazer bem ou mal. Não sei se deveríamos ser sinceros e explicar tudo o que se está a passar? Como explicar algo que nem nós adultos percebemos? Pensar que afinal não estamos tão avançados como pensávamos. Que o número de mortos não pára de subir. Um amontoado de caixões, pessoas impedidas de dizer um último adeus, pessoas impedidas de apoiar pessoas chegadas neste momento de dor.

Não me sinto preparada para expor os meus filhos a esta realidade. Não quero que se deitem à noite com medo. Nem que passem os dias preocupados. Não quero que esta pandemia lhes roube a infância.

Todos assistimos a criança que foram obrigadas a crescer cedo demais. Fome, guerra, órfãos... Todas elas não devidamente protegidas.

Não quero isso para os meus filhos. Posso estar a agir mal, mas neste momento não lhes quero transmitir medo. 

Por isso mantemos a calma e vivemos a situação com a maior normalidade possível. Sabem que existe uma doença e que não podemos sair de casa. Que não sabemos quando vamos voltar à escola ou a abraçar os avós. 

Não fazem perguntas o que nos ajuda a manter a informação sonegada. Neste momento estão mais concentrados em aproveitar ter a família reunida durante tanto tempo. 

 

Parar

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Não fiz horários nem ementas semanais. Não tenho planeadas actividades nem ocupações para os tempos livres.

A meu ver a nossas crianças estão sujeitas a uma correria constante no dia a dia. Estão tão habituadas a que alguém lhes diga o que fazer durante todas as horas do dia que não sabem o que fazer quando isso não acontece. Estamos aborrecidos! É uma coisa que dizem sempre que estão desocupados.

Pois quero aproveitar este isolamento para ensinar aos meus filhos a promoverem as suas próprias ocupações ou desocupações.

Um simples momento a relaxar ao sol é para mim uma grande vitória