Ainda bem que não temos balança em casa
Dias de desgraça
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Dias de desgraça
No início do ano percebi que o meu aniversário iria calhar na sexta feira santa. Fiquei contente pelo facto de poder ter a família junta neste dia especial. Os miúdos não teriam que ir à escola, o marido não iria trabalhar. O fim de semana iria ser prolongado numa época que previlegia a família. Pensei convidar alguma família e amigos para acamparem cá em casa. Imaginei a casa cheia, com sofás transformados em camas, colchões insufláveis pelo chão, crianças a partilharem lençóis e uma mesa cheia.
Mal eu sabia que viria um minúsculo ser invisível a olho nú e nós roubar ia a liberdade, ainda que momentaneamente. Mal eu sabia que nem poderia abraçar os meus pais, os meus amigos. Que não teria a casa cheia de risos.
No entanto agora não é altura de lamentar mas sim de agradecer. Estamos todos bem ainda que separados. Tenho o marido e os meus filhos ao meu lado. O telemóvel não pára de tocar com mensagens e vídeos de parabéns.
Estou agradecida, tão agradecida por tudo o que a vida me proporciona. Agora vou aproveitar o dia. Fazer um bolo com os miúdos para mais tarde cantar os parabéns. Talvez fazer uma vídeo chamada na altura para nos juntarmos ao que estão longe.
A distância só é grande se a deixarmos ser.
De criança
Para os mais crescidos
Para trabalhar
Para estudar
Os livros são os nossos melhores companheiros nesta quarentena.
Não fiz horários nem ementas semanais. Não tenho planeadas actividades nem ocupações para os tempos livres.
A meu ver a nossas crianças estão sujeitas a uma correria constante no dia a dia. Estão tão habituadas a que alguém lhes diga o que fazer durante todas as horas do dia que não sabem o que fazer quando isso não acontece. Estamos aborrecidos! É uma coisa que dizem sempre que estão desocupados.
Pois quero aproveitar este isolamento para ensinar aos meus filhos a promoverem as suas próprias ocupações ou desocupações.
Um simples momento a relaxar ao sol é para mim uma grande vitória
Os rapazes sem escola. O marido com o braço direito imobilizado e cheio de dores. A mãe preste a enlouquecer só de pensar que vai passar quase mais um mês a tratar de cinco.
Adoro a minha família mas todos precisamos de espaço, ou pelo menos eu preciso de espaço. Gosto da algazarra mas também adoro a solidão, só eu e o meu livro sem interrupções. Ontem fugi para o quintal, só para poder ler algumas páginas sossegada. Ainda assim ouvi os rapazes dentro de casa a chamar por mim. O pai dizia que eu tinha saído mas eles continuaram no meu encalço. Por fim o Santiago vestiu o casaco, calcou os sapatos e foi dar comigo escondida na cama de rede. Claro que já não se calou mais, estão numa fase que falam pelos cotovelos. Falam tanto que fico com a cabeça cansada só de os ouvir.
Chamam por mim 5000 mil vezes. Pedem comer a toda a hora. Tentamos explicar que a comida não abunda nos supermercados e que devemos evitar esses sítios. Na verdade a minha decisão de evitar os supermercados não é tanto pelo receio de apanhar o vírus, mas sim pelo comportamento humano. A ultima vez que pus os pés num assisti a duas mulheres que quase partiram para a violência pelo ultimo molhe de brócolos. É triste ver este tipo de comportamentos mas demonstram bem o que nos tornamos. Pensamos em nós, nós, nós, nós , nós e só depois nos outros. Se tivemos este descalabro por causa de um vírus imaginem se estivéssemos perante uma situação extremamente grave.
Seria bom que agora que a maioria está fechada em casa aproveitasse para reflectir sobre as nossas atitudes e valores. A mudança parte de todos nós.
Nós por aqui vamos tentar gerir o comer que temos em casa e talvez recorrer às entregas em casa, se ainda estiverem a funcionar.