Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
- Mãe eu estava à frente mas a professora estava sempre a chamar-me Salvador porque ela decorou que o Salvador era o primeiro.
- A professora não sabe que tu tens um óculos vermelhos Santiago.
- Eu disse mas ela estava sempre a baralhar. Então ela disse para nós trocamos. O Salvador passou para a frente e eu para trás. Agora ela já não se engana.
Não se engana desde que eles não resolvam ser sacanas. Se trocarem os óculos (como já fizeram para me tentar enganar) ou os lugares está visto que não vai dar por nada😂
- Mãe hoje fui o primeiro a acabar a ficha que a professora deu!
- Santiago não interessa ser o primeiro. Tens é que prestar atenção e perceber o que é para fazer.
- Mas mãe o Salvador ainda não tinha começado e eu já estava quase no fim.
- Já disse que não é uma corrida.
- Eu não estava a correr mas estavam todos a ouvir a professora a explicar e eu comecei logo a fazer.
- Santiago não ouviste a explicação da professora? - perguntei zangada
- Mãe aquilo era muito fácil. Olha tinha três pintas de um lado e três balões do outro. O que achas que era para fazer? - perguntou com ar de gozo - Claro que era para ligar os balões às três pintas e o resto era tudo igual. Não preciso que me expliquem estas coisas.
Estes últimos meses não foram muito fáceis. Eu sinto-me física e emocionalmente cansada mas felizmente começo a ver resultados por todo o esforço que fizemos.
Tudo começou com a entrada do novo ano lectivo. Durante os primeiros dias parecia estar tudo bem mas depressa percebemos que afinal não era bem assim. A directora do Guilherme ligou-me para me alertar que ele não estava a acompanhar e todos os professores estavam preocupados com ele. Não fazia alguns trabalhos, não copiava todos os exercícios e exemplos do quadro. Não demonstrava o mínimo interesse na escola e distraia-se com tudo. Resolvemos conversar com o rapaz afinal tudo aquilo era novidade e ele tinha que entrar no ritmo. A caderneta passou a vir cheia de recados porque não levava o material que lhe tinha sido indicado na ultima aula, porque não tinha feito os trabalhos, porque nem tentava resolver os exercícios na aula, porque passava a aula a olhar pela janela...
Cada vez que vinha um novo recado o marido referia que tínhamos que aceitar que estava a ser demais para ele e avançar para a medicação. Eu dizia vamos ver enquanto o meu coração dizia que não mas a meu cérebro concordava com o marido.
Entretanto a directora de turma ligou-me para me alertar para o facto de o rapaz passar os intervalos a jogar no telemóvel e até já ter tentado jogar nas aulas. Este telefonema foi a gota final e resolvemos que a brincadeira tinha acabado. Não lhe podíamos tirar o telemóvel porque já tinha acontecido ele apanhar o autocarro errado e termos que ir à procura dele ( este foi um susto que nem vale a pena falar). Na altura tinha um smartphone porque era o único que tínhamos em casa a funcionar, tinha sido meu e agora estava arrumado para alguma situação. Trocamos este por uma daquelas opções básicas que só dá para fazer chamadas. Para além disso passamos a ser mais exigentes e aplicar castigos.
Explicamos-lhe que existem coisas que são da responsabilidade dele. Eu não sei que material é que o professor pediu na aula e se ele não o leva ficar fica de castigo. Disponibilizamos-nos para o ajudar sempre que necessário mas no fundo o ultimo passo teria que ser dele.
Passei os últimos dois meses em cima dele. Nunca pensei que conseguisse ser tão dura. Por vezes até o marido que dizia que eu era uma coração mole me diz para ser mais branda mas ainda não consegui.
Estudamos muito, explicamos ainda mais. Ensinamos-lhe técnicas para estudar. Mostramos-lhe onde e como procurar informação para fazer os trabalhos de casa. Os primeiros testes vieram e foram um surpresa,não foram óptimos mas foram positivas. Agora veio a segunda ronda e foram ainda um pouco melhor que os primeiros. Finalmente consigo respirar de alivio e abrandar. O rapaz chega todo contente com as suas notas. Eu limito-me a dizer-lhe que quando se aplica tudo é mais fácil. Ele concorda comigo e diz que quando está com atenção nas aulas aprende e não tem que estudar tanto.
Espero que finalmente tenha encarreirado porque estou cansada de ter que ser tão rígida com ele. A disciplina é importante mas também acredito nas recompensas e acho que o rapaz merece umas recompensas.
Na pressa de sair de casa esqueci o casaco. Está um frio danado e ali estou eu à espera que o rapaz suba os cinquenta degraus até ao portão da escola e venha ao gradeamento acenar.
Espero, espero e o rapaz nunca mais chega. Olho para cima, cada vez mais gelada, a questionar-me o que o está a demorar tanto. Passado um pouco surge no meu campo de visão rodeado de dois ou três amigos. Vai tão entretido que nem se lembra da mãe que está à espera de um adeus.
A culpa destes atrasos é da piscina de bolas que existe na escola. Todos os dias atrai os pequenos com o seu canto de sereia e depois é me impossível convence-los a sair. Tento conversar, pedir, ameaçar que me vou embora mas nada resulta. Tão pouco resulta tira-los à força porque enquanto tiro o segundo o primeiro volta a entrar. Já desisti limito-me a deixa-los brincar enquanto contemplo a felicidade deles.
Os gémeos andam doidos para ir para a escola. Tenho sempre que os deixar primeiro na creche porque, caso contrário ficam a chorar que querem ficar na escola. Na segunda regressei mais cedo a casa porque o Salvador estava doente e decidi ir buscar os outros três. Deixei o Salvador com o pai, fui buscar o Santiago e dirigi-me à porta da escola. Cheguei cedo e resolvi levar o Santiago até ao portão, em vez de o deixar sentado no carro, como é habitual. Chegou ao portão e quis entrar. Umas das auxiliares deu-lhe a mão e lá foi ele todo contente sem sequer olhar para trás. Foram esperar os irmãos à porta das salas e originou-se uma confusão.
As crianças começaram a sair e a rodear o pequeno. Todos o queriam agarrar, todos queriam saber quem era, todos o chamavampara brincar. Parecia um boneco novo na mãos deles. Os mais velhos trataram de o rodear de peito cheio de orgulho enquanto diziam que era um irmão. O Leonardo dava-lhe a mão e tentava direcciona-lo para mim mas o rapaz não queria vir de maneira nenhuma. Estava tão contente rodeado daquelas crianças todas que só queria ficar a brincar com elas. O Guilherme teve que o pegar ao colo para conseguir tira-lo da escola mas ele saiu a chorar. Foi o caminho todo a choramingar que quer ir para a escola. Só espero que se entrar para o ano não chore porque não quer ficar.
A escola dos mais velhos pediu a todos os pais e familiares que dessem bugigangas para um bazar de Natal. Agora dá-nos a magnifica oportunidade de adquirir algumas dessas coisas. Inicialmente achei a ideia um pouco descabida. Se o objectivo é angariar fundos para a escola porque não pedir dinheiro aos pais? Pensei que seria muito mais rápido pedir dinheiro do que proceder a toda a logística do bazar.Ore vejamos tem que catalogar as coisas, fazer rifas, despender de alguém para fazer as vendas. Achei que era uma autêntica perda de tempo.
Achei mas entretanto mudei de ideias, ou melhor as crianças fizeram-me mudar de ideias. Tenho visto um comportamento diferente da parte delas. De manhã entram felizes e apressadas com alguns trocos a chocalhar nos bolsos e correm a gasta-los no bazar. Abrem as riras com entusiasmamos, ansiosas por saber qual o prémio que lhes saiu. Por vezes o prémio não é o esperado mas a desilusão desaparece quase instantaneamente quando percebem o que ganharam.
Ao fim do dia saem da escola com um sorriso nos lábios e com as mochilas repletas de pequenos tesouros. Saem em pulgas para contar e mostrar aos pais os magníficos presentes que ganharam.
Cá em casa já temos uma pequena colecção de tralhas ganhas no bazar.
Agora estou em processo de convencer os rapazes a partilhar as tralhas com familiares. Assim a prendem a partilhar o que ganharam o que têm muito mais significado.
No inicio do mês o Guilherme chegou a casa muito entusiasmado.
- Mãe vamos ajudar a escola a ganhar dinheiro.
- Como filho?
- Temos que juntar acho que é 50kg de plástico. Se conseguirmos a escola vai ganhar dinheiro.
- A sério isso parece-me bem. Então vão guardar as embalagens dos lanches?
- Sim colocamos lá pacotes de leite e iogurtes vazios. Também podemos colocar garrafas, latas, plásticos das embalagens...
- Latas? Mas ninguém leva latas para a escola.
- Não mãe podemos levar de casa. Posso levar? É que temos que reunir muita coisa para chegar ao peso.
- Ó filho estás descansado se podes levar de casa isso já está ganho. Só o plástico cá de casa chega e sobra para atingir o peso.
Devo dizer que ficou tudo mais fácil. Em vez de parar quase todos os dias no ecoponto passei a só parar à porta da escola. Chama-se a isto uma parceria em que ambos os intervenientes saem a ganhar.