Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
Foram três meses do... Completem a frase a gosto já que isto é um blog familiar e não devo escrever as palavras que me vão na mente.
Só posso dizer que foram muitos dias de preocupações. Muitas horas de sono perdidas com medos e receios. Receio de não ser capaz de prestar o apoio que seria necessário para terminar o ano escolar com algum mérito. Medo de falhar nesta nova profissão, por assim dizer, que foi imposta a todos os pais.
Foi um terceiro período angustiante para pais, alunos e professores mas podemos todos dizer que sobrevivemos.
Podemos gritar a alto e bom som a vitória nesta batalha se bem que a guerra está longe de ser ganha.
Por agora só nos resta aproveitar os dias sem manuais e trabalhos. Devemos gozar uns dias de ócio e repor energias pois não sabemos o que nos espera em Setembro.
Continuamos em casa, os rapazes mais velhos com aulas por videoconferência, os pequenos com actividades preparadas por nós. O marido não está melhor, aguarda uma consulta num especialista para decidir o que fazer.
Assim continuamos todos vinte e quatro, sobre vinte e quatro horas juntos e devo dizer que não tem sido nada mau. Acalmada a euforia de estarmos juntos em família ficou apenas uma tranquilidade no ar. Os rapazes estão mais calmos e menos nervosos. O medo do vírus está adormecido e eles estão felizes.
Tudo isso fez com que nós, os crescidos, conseguíssemos relaxar. Passamos a encarar este período como uma bênção. Proporcionou algo que sempre chorámos, tempo em família, tempo para nós.
Assim aqui vamos continuar nesta espécie de férias extra longas decididos a criar muitas boas memórias destes dias.
No início do ano percebi que o meu aniversário iria calhar na sexta feira santa. Fiquei contente pelo facto de poder ter a família junta neste dia especial. Os miúdos não teriam que ir à escola, o marido não iria trabalhar. O fim de semana iria ser prolongado numa época que previlegia a família. Pensei convidar alguma família e amigos para acamparem cá em casa. Imaginei a casa cheia, com sofás transformados em camas, colchões insufláveis pelo chão, crianças a partilharem lençóis e uma mesa cheia.
Mal eu sabia que viria um minúsculo ser invisível a olho nú e nós roubar ia a liberdade, ainda que momentaneamente. Mal eu sabia que nem poderia abraçar os meus pais, os meus amigos. Que não teria a casa cheia de risos.
No entanto agora não é altura de lamentar mas sim de agradecer. Estamos todos bem ainda que separados. Tenho o marido e os meus filhos ao meu lado. O telemóvel não pára de tocar com mensagens e vídeos de parabéns.
Estou agradecida, tão agradecida por tudo o que a vida me proporciona. Agora vou aproveitar o dia. Fazer um bolo com os miúdos para mais tarde cantar os parabéns. Talvez fazer uma vídeo chamada na altura para nos juntarmos ao que estão longe.
Pode parecer um cliché mas é a mais pura verdade. Este isolamento só nos trouxe proximidade e não apenas com o meu marido e filhos.
O facto de estarmos juntos 24 sobre 24 horas permitiu descobrir coisas que desconhecíamos, neles e em nós. Consegui finalmente ter tempo para os meus filhos. Para os acompanhar em todos os trabalhos, para os ajudar nas dúvidas e apoiar nas dificuldades. Tempo para brincar com eles, para jogos em família ou sessões de cinema em casa. Para os ver brincar é brigar em conjunto. Para os ensinar a molhar bolachas no leite ou pão no ovo estrelado. Experimentar novos sabores e sair das nossas limitações habituais.
Sobretudo estes dias trouxeram saudade. Da família a quem falamos por vídeo chamada. Dos amigos em quem pensamos todos os dias. Dos colegas por quem rezamos todos os dias. E dos vizinhos com quem conversamos com muros pelo meio.
Sim estamos longe mas sinto-me mais perto deles do que quando os podia ver. Falamos mais longe do que quando estávamos juntos. Percebemos agora o que de facto importa e isso cria toda uma nova forma de vida. Se as pessoas sempre foram o mais importante para mim percebo agora que são a única coisa que importa.
Não tenho sido muito honesta com os meus filhos. Nunca lhes menti mas, nestes últimos tempos, tenho omitido a verdade.
As notícias são vistas quando eles estão entretidos no piso de cima. As conversas sobre o tema são tidas sorrateiramente. Quando entram em cena o tema é contornado e retomado um pouco mais tarde.
Não sei se estamos a fazer bem ou mal. Não sei se deveríamos ser sinceros e explicar tudo o que se está a passar? Como explicar algo que nem nós adultos percebemos? Pensar que afinal não estamos tão avançados como pensávamos. Que o número de mortos não pára de subir. Um amontoado de caixões, pessoas impedidas de dizer um último adeus, pessoas impedidas de apoiar pessoas chegadas neste momento de dor.
Não me sinto preparada para expor os meus filhos a esta realidade. Não quero que se deitem à noite com medo. Nem que passem os dias preocupados. Não quero que esta pandemia lhes roube a infância.
Todos assistimos a criança que foram obrigadas a crescer cedo demais. Fome, guerra, órfãos... Todas elas não devidamente protegidas.
Não quero isso para os meus filhos. Posso estar a agir mal, mas neste momento não lhes quero transmitir medo.
Por isso mantemos a calma e vivemos a situação com a maior normalidade possível. Sabem que existe uma doença e que não podemos sair de casa. Que não sabemos quando vamos voltar à escola ou a abraçar os avós.
Não fazem perguntas o que nos ajuda a manter a informação sonegada. Neste momento estão mais concentrados em aproveitar ter a família reunida durante tanto tempo.
Os dias vão passando mas ainda não entramos em velocidade de cruzeiro. Estamos perante uma série de novas rotinas a que ainda não nos adaptamos. O comer escasseia no supermercado, é necessário madrugar e acampar à porta do supermercado, no mínimo, meia hora antes da abertura. Só assim conseguimos ter a certeza de encontrar fruta e legumes. Ao longo do dia a situação fica mais complicada, as filas aumentam é necessário esperar mais tempo na incerteza de encontrar o que necessitamos. As compras online também estão difíceis, não existem muitos artigos e quando tentamos finalizar o carrinho recebemos informação que não tem stock de metade dos artigos que escolhemos.
Medo é uma coisa que está presente em todos nós. Como já referi várias vezes não tenho medo do vírus em si mas sim do comportamento humano. As pessoas continuam a comprar como se os mercados fossem fechar hoje, todos os dias é a mesma coisa, sinceramente não sei onde guardam tanta coisa. O facto de comprarem tanto significa que outros ficam sem nada para levar para casa. Pensem nas pessoas que não têm capacidade financeira para fazer stocks. Naquelas que não têm veículos e cujas forças escasseiam para carregar muito peso.
Em casa tentamos explicar aos rapazes que é preciso contenção. Ninguém têm que passar fome mas não precisamos comer este mundo e o outro. É difícil com quatro rapazes, dois na pré adolescência, mas é necessário. Este tipo de situações fazem com que cresçamos. Aprendemos a dar mais valor ao que, anteriormente, dávamos por garantido.
A liberdade, a abundância de comida, a educação escolar, o convívio com amigos, o abraço a um ente querido.
Espero que tudo volte à normalidade porque tenho saudades de muita coisa e mal posso esperar para as fazer de novo.