Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
Assim se passam os dias num abre e fecha de chapéu de chuva. Ficam em pausa as manhãs no parque à espera da hora de entrar na escola. As caminhadas durante a hora de almoço para buscar os mais velhos. Os fins de tarde e os fins de semana no quintal. O treino da bicicleta sem rodas.
Só nos resta ficar por casa. Olhar para o céu cinzento na esperança de visualizar uns raios de sol.
A chuva veio para ficar e temos que nos adaptar a ela. É tempo de acender lareiras. De redescobrir jogos de tabuleiro guardados à imenso tempo. É altura de ver filmes em família, de ler livros. É epoca de assados e de casas perfumadas com aromas natalícios. É uma época diferente mas igualmente boa, só temos que retirar o melhor que ela nos dá.
Bem sei que Abril águas de mil mas a verdade é que este ano está a ser mais águas de milhão. Todos os dias chove, todos os dias está frio. Uma pessoa já anda enjoada de tanta chuva. Nem no dia do meu aniversário me enviou um raio de sol.
Para além disso tenho um problema grave com o meu Guilherme. Ora o rapaz todos os dias leva um chapéu de chuva mas nunca o trás de volta. Já fui à escola em busca deles mas nem vê-los. Ora as opções são reduzidas. Ou contínuo a comprar chapéus até falir. Ou envio o rapaz à chuva. Ou o São Pedro fecha a torneira aí em cima.
Hoje acordei com o som da chuva intensa e com os clarões dos relâmpagos a iluminar o amanhecer. Deixei-me estar no calor da cama. Nada como ouvir o ruído da chuva e dos trovões quando estamos protegidos é quentes.
Fiquei a desfrutar um pouco à espera que tudo terminasse. Passaram cinco, dez, quinze minutos e nada. Deixei de adorar o momento. Passei a maldizer o tempo por me fazer sair com quatro crianças nestas condições climáticas.
Acordei com o som dela a cair e fui invadida por uma euforia. Tive que me levantar e ir espreitar à janela para ver se não estava a sonhar. Lá fora ela caia com força e vinha acompanhada por uma trovoada intensa. Eu deixei-me estar a observar aquele espectáculo da natureza. Senti o cheiro da terra molhada e com ele a esperança que o novo dia fosse um dia melhor. Agradeci à natureza por vir em auxilio dos que precisam e secretamente pedi que encontrasse o caminho para as zonas de fogo que estavam incontroláveis. Almejei que chovesse, chovesse muito, tanto que lavasse o nosso pais de alto a baixo.
Passado um pouco ela deixou-me e seguiu viagem para zonas mais necessitadas. Hoje acordei e a primeira coisa que fiz foi espreitar as noticias. Ouvi que os fogos estão quase todos extintos e os poucos que ainda lavram estão controlados isso colocou-me um sorriso no rosto. Provavelmente não devia conseguir sorrir devido as perdas que sofremos nos últimos dias mas não consigo evitar sentir-me feliz por ver esta calamidade controlada em vez de ver o numero de feridos e mortos a subir.
A chuva voltou e por incrível que pareça percebi que estava com saudades. Tinha saudades de a ouvir cair. De sentir o som das gotas a bater nas janelas. Saudade do cheiro da terra molhada. Saudade de, simplesmente andar à chuva.
Estou aqui enroscada no sofá a escrever enquanto me sinto reconfortada por som da água nas telhas. Vou adormecer a ouvi-la o som relaxante dela a cair tal como uma canção de embalar.
Apesar de adorar o calor até estou a gostar do ar mais fresco. Começo a ficar animada ao olhar para as botas e para os casacos que estão guardados à demasiado tempo no armário. Sim, estes aguaceiros estão a saber mesmo bem mas se o calor quiser voltar acho que ninguém se chateia.
Estávamos no principio de Outubro e com ele chegaram as primeiras chuvas de Outono. Tinha chovido a noite toda e a chuva continuava. Eu deixei o marido no trabalho e entrei na auto-estada a caminho do trabalho. O piso molhado e a visibilidade reduzida impediam-me de andar a mais que os oitenta, noventa quilómetros por hora. Lembro-me de ver uma poça de água e ter um pressentimento. Aconteceu todo muito rápido, estava a conduzir normalmente e depressa percebi que algo não estava bem. Senti o meu corpo num ângulo estranho. Comecei a ver o alcatrão da estrada quase ao pé dos olhos enquanto assistia a uma projecção de faíscas entre o tejadilho do carro e o pavimento. Finalmente o carro parou e eu percebi que tinha que sair do carro. Primeiro pensei como é que iria tirar o cinto sem cair de cabeça no chão, uma vez que estava de pernas para o ar. Quando percebi onde deveria colocar as mãos e os pés achei melhor não tirar o cinto com medo que algum carro embatesse no meu e me projectasse para fora.
Segundos depois tinha imensas pessoas de volta do carro e percebi que era seguro sair. Alguém me abriu a porta e me ajudou a sair. Um senhor tomou-me o pulso enquanto me fazia perguntas. Apresentou-se como sendo enfermeiro e percebi que tentava ver se eu estava bem. Eu agradeci a ajuda mas afirmei que estava tudo bem comigo. O enfermeiro acabou por sair do local quando percebeu que eu não estava magoada. Antes de ir ainda me explicou que tinha uma clínica nas imediações que geria com a filha e ofereceu-se para me avaliarem.
Entretanto houve quem me coloca-se o triângulo, quem me desse o colete para vestir e quem comunica-se o acidente. Felizmente ainda existe muito boa gente no mundo sempre dispostos a ajudar os outros. Voltei ao carro e procurei a minha mala. Pequei no telefone e liguei ao meu pai para pedir que avisasse no trabalho que iria chegar atrasada. O pai quis saber porquê e foi logo ter comigo. Entretanto o meu chefe ligou-me, eu atendi e ele pediu-me para adiantar o trabalho porque estava preso na auto-estrada. Eu expliquei-lhe que não poderia ajudar e que era devido a mim que estava preso no trânsito.
Os bombeiros chegaram pouco depois e tive que entrar na ambulância para ser avaliada. Eu estava bastante animada e brincava com a situação até que vi os bombeiros a colocar o carro na posição correcta. Desatei a resmungar porque rebolaram o carro para a lateral que estava intacta, danificando assim o resto do veiculo. Eu só via cifrões à frente dos olhos…
De seguida chegou a brigada de trânsito para tomar ocorrência do sucedido. Quando afirmei que seguia a oitenta quilómetros hora um dos agente disse que isso era visível. Pareceu-me que o disse de uma forma irónica o que fez com que lhe dirigi-se um dos meus olhares fulminantes. O agente percebeu e disse-me que o que eu dizia estava correcto porque o carro tinha parado assim que capotou, se eu seguisse a mais velocidade o carro teria levado muito mais tempo a parar.
No fim da história posso dizer que tive muita sorte. Sai intacta do acidente, sentia-me tão bem que recusei ir ao hospital. No fundo só queria despachar tudo e voltar ao trabalho. Fiquei muito desiludida porque pensava que só tinha que colocar o carro de pé e eu podia seguir viagem mas a verdade é que foi direitinho para a oficina e só voltou para mim cerca de um mês depois.