Quantos queres
- Mãe quantos queres?
- Dez.
- Escolhe uma cor.
- Laranja.
- Não queres antes o castanho?
- Pode ser.
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- Mãe quantos queres?
- Dez.
- Escolhe uma cor.
- Laranja.
- Não queres antes o castanho?
- Pode ser.
O dia amanheceu frio. Foi difícil convencer os rapazes a sair da cama.
-Só mais um bocadinho! - pediam todos
Infelizmente não pode ser. Tivemos mesmo que acordar e despachar. Ao sair de casa gelei assim que abri a porta. O carro tinha um bloco de gelo no vidro, exclamei maldições. Na verdade não queria sair de casa. Nem deixar os mais velhos na escola. Tão pouco queria levar os gémeos à creche e a última coisa que me apetecia era vir trabalhar.
Agora vou passar o dia a matutar se levaram roupa suficiente, se estão com frio ou confortáveis. Vou questionar se o Guilherme não anda a correr, porque só na quarta é que tira os pontos.
Voltar às rotinas não é fácil...
Reza a história que um menino, chamado Guilherme, criou um grupo no whatsapp intitulado "prenda para a mãe" e o encheu de fotografias. A inspiração foi a feira de minerais que se deslocou à escola nos dias que antecederam o Natal. O pai do rapaz concordou e forneceu uns euros para a compra da dita prenda.
A mãe descobriu a história e ficou em pulgas para abrir o presente.
Mentira! A mãe não precisava de o abrir para saber que iria adorar. Porque o que interessa é o gesto e este foi extremamente bonito.
Meu filho hoje casas os anos, dez anos de existência. Parece que ainda ontem te carregava no meu ventre, cheio de pressa de vir ao mundo. Assim és tu. Não és apressado nem inquieto mas tens uma sede imensa de conhecimento. Tiveste pressa de nascer, pressa de andar. Bastava olhar para ti e todos nós percebíamos a curiosidade de brotava dos teus olhos. Eras tão especial que cada vez que estavas doente a avó Alice dizia para ter muito cuidado porque parecia que não pertencias a este mundo.
Eras teimoso e opinativo desde a mais tenra idade. Sempre soubeste o que querias e não desistias até o conseguires. Passavas horas a montar puzzles para uma idade muito superior à tua. Quando este deixava de ser um desafio viravas as peças e montavas o puzzles com a imagem virada para o chão. Aos três anos convenceste a avó que sabias ler. Reconhecias palavras como morango, banana, jogos, sim, não. Deram-te um iogurte para as mãos e tu disseste morango enquanto apontavas para a palavra. Quando te fui buscar estava tudo radiante porque tu já sabias ler. Foi uma risota geral nesse dia.
Tal como foi uma risota quando, uns dias depois, roubaste um pedaço de pão da mão da senhora que o estendia à neta. Foste educado e disseste obrigado enquanto abalavas com o pedaço de pão na mão. Ainda hoje sorrio quando me lembro.
Na creche foste difícil. A educadora desesperava contigo. Dizia que não comprava brigas porque não tinha pulso para lidar contigo. Cinco anos e ela tinha medo de te enfurecer. Andavas frustado e ninguém percebia porquê. Fomos encaminhados para fazer uma avaliação que só confirmou o que já sabíamos no fundo. Estavas muito avançado para a idade e a creche não constituída desafio para ti. Assim foste para o primeiro ano com cinco anos e o teu comportamento mudou do dia para a noite. A alegria voltou ao teu olhar. O entusiasmo de aprender a ler e a fazer contas. Estás sempre pronto a aprender, queres sempre saber mais e mais. Só é pena essa tua ambição de teres de ser o melhor. Espero que com o tempo percebas que não interessa ganhar ou perder mas sim o participar. É que muitas vezes não participas só para não correres o risco de não ganhar. Compreende que o meu orgulho por ti é independente do que vais alcançar na vida. Vou amar-te para sempre.
Em Setembro o Leonardo começou a frequentar o quinto ano. Voltou a estar na mesma escola do irmão mais velho e nós notámos uma grande diferença nos dois.
A primeira melhoria foi o facto do Guilherme ter deixado de dizer que não gosta da escola e que não queria ir. Agora acorda animado, até empolgado. Conseguem estar prontos a horas e saímos de casa sem correrias, nem chatices. Está mais empenhado nas disciplinas e no estudo.
O Leonardo anda radiante, não só está com todos os colegas como se encontra com o irmão algumas vezes.
Esta semana o Guilherme faltou um dia pois tinha consulta. O Leonardo já não queria ir porque ia ficar sozinho. Eu argumentei que eles mal se cruzam durante o dia. Os intervalos são pequenos, nem sempre almoçam à mesma hora, quase nunca saem ao mesmo tempo. Argumentei tudo isto e a resposta foi.
- Mas eu sei que ele está lá!
E a verdade é mesmo essa. Um irmão trás uma sensação de aconchego que não é possivel colocar em palavras. Podem discutir, guerrear, brigar mas estarão sempre lá uns para os outros.
Quando percebi que iria ter quatro rapazes em casa o meu maior receio era que se dessem mal. Sei que a convivência entre irmãos nem sempre é fácil. Eu com quatro acreditei que não seria pera doce. Sei que podemos educar as crianças em muita coisa mas a capacidade de amar e criar empatia tem que nascer connosco.
O tempo passou e tudo correu muito melhor do que eu pensava, neste campo. Não vou dizer que é tudo óptimo porque tal não é verdade. Os meus filhos discutem e bulham, apenas não com muita frequência.
Em geral são muito unidos e tive uma grande prova disso esta semana. O Leonardo tinha uma consulta logo de manhã à uma hora em era de todo impossível eu conseguir ir. Ou faltava tudo à escola para irmos com o Leonardo ao médico, impossível porque o Guilherme até tinha um teste, ou faltava à consulta. A alternativa foi deixar o rapaz a dormir em casa dos avós que depois o acompanharam ao hospital. Nessa noite a casa esteve mais triste. Os gémeos passaram o tempo todo a perguntar quando é que o irmão chegava. Foram dormir contrariados a chamar pelo elemento em falta. De manhã não queriam ir para a creche só diziam que tínhamos que ir buscar o Nardo ao médico.
O Guilherme passou os intervalos da escola a ligar para a avó para saber se estava tudo bem com o irmão, se já tinha ido à consulta, se o médico tinha dito que estava tudo bem.
No fim do dia foi uma alegria quando se viram todos reunidos de volta. Eu assisti a tudo isto com uma lágrima no canto do olho. São momentos incapazes de se traduzir em palavras e só posso agradecer por fazer parte deles.
Acordei em sobressalto com ideia de ter ouvido alguém chamar por mim.
- Mãe!
O Santiago estava mesmo a chamar por mim.
-Chiu - sussurei para que percebesse que eu estava ali ao lado.
- Mãe? - chamou o Salvador
- Chiu...
- Mãe?
- O que foi Santiago?
- Eu adoro-te muito.
- Eu também te adoro muito.
- Mãe.
- Diz Salvador.
- Eu também te adoro.
- Eu adoro os dois agora durmam.
Já não se ouviu mais um piu lá em casa
Por vezes fico triste porque não temos dinheiro para vos dar mais. Gostava de poder conhecer o mundo convosco. Viver aventuras sem fim. Adorava ter todo o tempo do mundo para vocês, em vez de o dispender em tarefas como limpar a casa, ou tratar da roupa. O que eu mais queria era poder ver sempre o vosso sorriso e não perder pitada do vosso crescimento. Infelizmente nem tudo é possível. Como adultos temos que prioridades. Garantir que tem sempre roupa e calçado que vos sirva. E que temos comer suficiente. Que tem uma cama vossa onde possam descansar em paz e segurança.
Bem sei que para vocês isso são coisas garantidas mas nós lutamos muito para que assim seja.
Podemos não ter tudo mas temos tudo o que importa. Temos amor, carinho. Temos respeito e companheirismo. Principalmente temos-nos uns aos outros. Poder assistir ao vosso crescimento tem sido o melhor privilégio da minha vida. Que continuem assim, sempre amigos e com um sorriso permanente no rosto.
- Mãe obrigada por teres dormido comigo ontem.
- Estavas só a choramingar e eu fui para o pé de ti.
- Estava a ter um sonho terrível. Era muito assustador e eu não conseguia sair dele.
- Era só um sonho amor.
- Depois senti o teu braço em cima de mim. Depois tu estavas no meu sonho e salvaste-me. Obrigada mãe.
Existe amor melhor que este?
Acordei com o barulho de um dos rapazes a bater na parede. Fui espreitar e logo ouvi.
- Mãe?
- Sim.
- Eu adoro-te muito.
- Eu também te adoro. Agora dorme que ainda é de noite.
- Boa noite mãe. Bons sonhos. Dorme bem.
Sabem tão bem estar de volta.