Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
A imsilva lançou um desafio para se escreverem contos de Natal. O minha resposta tardou mas mais vale tarde que nunca.
As badaladas da igreja assinalavam as seis da manhã. Era o dia de Natal mas ao contrário do habitual ainda estava na cama e não fazia intenções de sair tão cedo. Longe iam os dias em que a esta hora o ar da casa já estava perfumado com os aromas do Natal. O ambiente estaria quente do calor do forno que cumpria a função de assar um imenso peru. Uma pilha de batatas estaria sobre a pia à espera de serem descascadas e temperadas. A mesa estaria posta de véspera ainda com rabanadas, filhoses e sonhos.
Ela estaria numa azáfama a tentar empilhar as sobremesas preferidas dos filhos, noras e netos no frigorífico. Garantindo que estava tudo perfeito para receber a família que ficava maior a cada ano que passava. Dava gosto ver aquela mesa imensa com quatorze lugares postos onde a família se reunia passando tabuleiros de batatas, salada, pão e fatias de peru.
Este ano tudo seria diferente. Estava tudo aterrorizado com aquele vírus que tinha surgido alguns meses antes e não existiria convívio para ninguém. Ela estava desgostosa com toda a situação. Os filhos afirmavam que não a visitavam para a protegerem. Queria evitar o contágio informando que se contraísse o vírus morreria quase de certeza.
Tinha 87 anos será que ninguém percebia que a morte estava perto com vírus ou sem ele. Temia que devido ao receio de a protegerem estivessem a desperdiçar os últimos momentos em conjunto. Sentia-se com menos força a cada dia que passava, os ossos pesavam mais a cada manha, as dores era mais intensas.
Contava os dias de solidão, 239 dias desde a ultima vez que trocara um abraço. É certo que os filhos e netos ligavam a toda a hora. Via as caras deles através daquele ecrã que lhe haviam oferecido mas não era a mesma coisa.
Neste dia de Natal estava particularmente desanimada. Tinha quase suplicado para que viessem almoçar mas todos recusaram. Foi a custo que não lhes gritara que esta reclusão não era viver. Preferia mil vezes morrer rodeada de pessoas que viver sozinha. Era uma daquelas situações que que cada um tem a sua opinião sem que nenhuma esteja totalmente certa ou errada. Diziam que para o ano seria diferente, tinha a certeza que assim seria só não sabia se estaria cá para assistir.
Quem olha as imagens vê obras, pó, escadas improvisadas e rabiscos no chão.
Nós idealizamos onde vão subir paredes, as dimensões dos quartos, a disposição das casas de banho. Decidimos que paredes tapar, que xisto queremos exposto. Onde colocar focos de luz, tomadas e interruptores.
Agora resta saber se a realidade vai ser semelhante ao sonho.
Tínhamos o dia de quarta feira todo organizado. O marido ia por os rapazes à escola enquanto eu fazia uma entrevista. Depois eu seguia para um compromisso em lisboa, o marido iria buscar o Guilherme à hora de almoço e seguiria para a consulta de ortopedia em Santa Maria. Eu voltava a tempo de buscar os restantes rapazes à escola.
Acordei às 5:30 com uma notícia inesperada. Um filho de um colega do Rodrigo acusou positivo e ele teve que voltar ao trabalho. Mentalmente planeei fazer tudo sozinha. Levar os rapazes à escola, fazer a entrevista no carro à porta da mesma. Rumar ao compromisso em lisboa, voltar ao concelho para apanhar o Guilherme e seguir novamente para Lisboa.
Fiquei instantaneamente enervada, tinha muita coisa dependente de mim, muitos horários a cumprir. Respirei fundo, contei até diz e pedi para conseguir chegar ao fim do dia sem pirar.
Despachei os miúdos, estava a abrir a porta da rua quando o telefone tocou. Era o senhor da entrevista a pedir para adiar a hora. Eu aceitei prontamente.
Fiquei com duas actividades para a mesma hora e só me restava desmarcar o outro. Ao chegar à porta da escola o meu telemóvel tornou a tocar e a minha reunião passou para sexta feira. Agradeci ao universo por num instante me ter trazido resposta a todos os meus problemas.
Assim se passam os dias num abre e fecha de chapéu de chuva. Ficam em pausa as manhãs no parque à espera da hora de entrar na escola. As caminhadas durante a hora de almoço para buscar os mais velhos. Os fins de tarde e os fins de semana no quintal. O treino da bicicleta sem rodas.
Só nos resta ficar por casa. Olhar para o céu cinzento na esperança de visualizar uns raios de sol.
A chuva veio para ficar e temos que nos adaptar a ela. É tempo de acender lareiras. De redescobrir jogos de tabuleiro guardados à imenso tempo. É altura de ver filmes em família, de ler livros. É epoca de assados e de casas perfumadas com aromas natalícios. É uma época diferente mas igualmente boa, só temos que retirar o melhor que ela nos dá.