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Quatro Reizinhos

Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.

Não se separam

- Mãe posso ver televisão na sala? - pergunta o Guilherme - Os manos estão a ver uma coisa que eu não gosto.

- Podes, só não quero o som muito alto.

Passados uns minutos oiço os passos do Leonardo a descer as escadas. 

- Ah estás aqui! - exclama enquanto se senta ao pé do irmão.

Ficam os dois a ver o programa na televisão. Logo se ouvem mais passos nas escadas. 

- Guilherme estás a ver isto? Também gosto.

Ficam os três no sofá mas logo aparece o número quatro que se junta ao grupo. 

A verdade é que são as sombras uns dos outros. Estão ligados por algo mais forte que os simples laços de sangue. 

Começou

Aparentemente apareceu um caso numa das instituições de ATL que vai buscar crianças à escola dos gémeos. A instituição fechou e as crianças que a frequentam estão em isolamento profilático. Algumas são da turma dos gémeos. Ontem chegaram a casa explicando que as aulas correram bem. Referiram que não existiu tanto barulho na sala e a professora não se zangou.

Eu não consigo deixar de ficar solidária com aquela professora. Se por um lado goza de mais paz e silêncio durante as aulas. Por outro tem que se dividir em duas para prestar apoio à sala e aos alunos que estão em casa. Terá que garantir que os alunos continuam a adquirir novos conhecimentos e ninguém fica para trás. 

Definitivamente esta pandemia trás desafios novos a cada dia que passa. 

O bicho da leitura

- Mãe a professora diz que existe um bicho nos livros.

- Um bicho nos livros?

- Sim. É um bicho tão pequeno que só se vê ao microscópio e pica as pessoas. 

- E depois? - perguntei sem saber ao certo o que iria sair dali

- Quando somos picados por esse bicho passamos a gostar muito de ler. Chama-se o bicho da leitura e acho que tu já foste picada por ele.

- Claro que sim meu filho. Agora já sei porque gosto de ler.

 

Nós

A nossa relação passou por muitos obstáculos. Uma adolescência. Uma anorexia. Um aborto. Quatro gravidezes. Um parto pré termo. Dois bebés prematuros. O dia a dia com quatro filhos. Uma mudança de casa. Alguns problemas monetário aqui e ali.

Vinte e dois anos a trabalhar em conjunto. Umas vezes melhores que as outras. Zangas pelo meio, porque também são precisas. 

Agora estamos de frente a um novo obstáculo. O meu sonho tornou-se o nosso sonho. Suponho que aconte a muitos casais. Eu idealizei a nossa casa na aldeia assim que lá entrei. Vi para além do pó de décadas. Muito para lá das madeiras podres e do chão que rangia.

Na minha cabeça ficaram os sonhos de como iria ficar quando pronta. Acreditei que o meu homem deixaria a meu cargo os planos mas estava enganada. Com o passar do tempo está mais entusiasmado que eu. Dou por ele a pesquisar tipos de chão, modelos de escadas, soluções diversas. É certo que já andamos às turras por opiniões diferentes. Cada um a argumentar porque a sua ideia é a melhor. Desenhos feitos em folhas de papel para tornar visível o seu ponto de vista.

Apesar destes desentendimentos fico feliz. Quando chegarmos ao fim, se chegarmos so fim, a casa não será como idealizei mas será nossa. Terá um pouco de mim e dele também o que tornará tudo mais especial, um lar em vez duma casa. 

Estamos reduzidos a isto

- Meninos hoje vão levar um rebuçado para comerem na escola.

- Mãe posso levar rebuçados para partilhar com os meus amigos?

- Por mim podes, mas será que é permitido na escola?

- Eu não quero levar para a minha directora de turma não se zangar por mim! - exclama o Leonardo

- Também acho melhor não levar. - diz o Salvador com uma expressão de tristeza - A professora diz que não podemos partilhar. Eu queria tanto dar aos meus amigos!

- Estou farto deste covid!!! - afirma o Santiago - Não podemos ir a casa das vizinhas. Não podemos ir ver a avó. Não vamos tirar fotografias na escola. Estou farto!

Pensamos que devido à tenra idade estão alheados das mudanças mas cada vez mais percebo que não. Podem não falar sobre isso diariamente mas estão a sofrer tanto ou mais que os adultos. Espero que em breve possamos recuperar todos estes momentos e afectos que nos estão a ser roubados. 

As despedidas

Todos as manhãs vou deixar os gémeos na escola.

- Adeus meninos tenham um bom dia.

- Adeus mãe. - respondem enquanto sobem a escada.

Durante a subida vão espreitando para trás a verificar se continuo ali. Entram na escola e seguem para a grade.

- Adeus mãe! - grita um

- Tem um bom dia. - diz o outro

Mandam beijinho e fazem gestos de abraços. Os pais em redor riem-se da meiguice deles. 

- Mãe adoro-te!

- Também te adoro. - respondo enquanto me dirijo ao carro

- Mãe eu adoro-te muito!

- Adoro-te filho! - respondo enquanto entro no carro.

Lá dentro tenho que abrir a janela porque eles continuam a gritar adeus, adoro-te e a mandar beijinhos. 

Coloco o carro a trabalhar e vou embora, pela janela aberta aceno adeus até os perder de vista. 

Antes de ontem o Salvador perguntou. 

- Quando tiver sete anos posso deixar de fazer tantos gestos de despedida.

- Meu filho não precisas ter sete anos. Se não quiseres dizer adeus na rede da escola não tens que o fazer. Eu gosto de ti e nada vai mudar isso.

- Acho que amanhã não vou ficar ali a dizer adeus.

- Então não fiques meu amor.

O dia seguinte veio e lá ficou ele na grade, com o irmão, a bradar despedidas até eu desaparecer.

É mais fácil dizer que fazer. 

Fazendo valer todos os momentos

Hoje o dia amanheceu frio mas ensolarado. Levei os mais velhos até a escola e segui para a dos gémeos.

Como de costume chegámos cedo mas em vez de ficarmos fechados no carro resolvemos aproveitar o sol. Fomos em busca dos patos.

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Voltamos ao carro com as extremidades geladas. Os gémeos queixaram-se que tinham as mãos congeladas mas mesmo assim querem voltar a passear. Tenho que me lembrar de preparar luvas porque temos que aproveitar todos os momentos de liberdade que podemos, com a devida segurança. 

Não somos imutáveis

Se existe uma coisa que a vida ma provou uma e outra vez é que não somos imutáveis. Podemos acreditar que sim mas se pensarmos bem veremos que a experiência da vida lima certas arestas em nós.

Não estou a afirmar que mudamos toda a nossa personalidade mas sim que vemos refinados certas características. 

Eu sinto muitas vezes as diferenças entre a Catarina de hoje e a do passado. Embora a idade tenha trazido sabedoria trouxe também vontade de viver em pleno. Nada de viver a vida como um robot que se limita a fazer as suas funções. 

Cansei e por isso resolvi experimentar coisas novas. Diferentes do habitual e para as quais não sei se tenho jeito. Se não resultar fico com a experiência que se vai refletir na pessoa que me estou a tornar. 

Por isso desejem sorte a esta grande criança sonhadora. Que esta nova atividade profissional me traga felicidade porque isso é meio caminho andado para tudo estar bem. 

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