Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
Nestes últimos dias percebi que o Santiago está desenvolvido demais, tem uma capacidade de raciocínio que não deixa de me espantar. É um mestre em quatro em linha, é quase impossível vencer o rapaz neste jogo. Acreditem que tanto eu como o pai o tentamos vencer a todo o custo, somos ambos bastante competitivos por sinal, mas raramente conseguimos. Nas poucas vezes que temos sucesso o rapaz revela muito mau perder o que faz com que jogue ainda com mais afinco e nos dê uma tareia.
O mau perder também o torna um pouco batoteiro, principalmente em jogos de cartas. Quando chama por mim para jogar ao UNO e diz que já tem tudo pronto sei que esteve a preparar o jogo de forma a ganhar. Não sei bem como faz mas acreditem que as cartas boas vão todas parar à mão dele. O jogo acaba com mais de vinte cartas na minha mão e o rapaz vitorioso.
Também percebi que o rapaz adora fazer trabalhos. Gosta de praticar letras mas prefere a matemática. Passa o tempo a pedir para preparar contas para ele fazer. Também na execução dos trabalhos gosta de ficar em primeiro lugar, faz de tudo para acabar antes do irmão. Quando não termina primeiro tenta mostrar que fez melhor que o irmão para garantir a vitória.
Aos poucos vamos tentando contrariar estas necessidades de ficar em primeiro mas não está fácil. É uma competência que teremos que trabalhar durante os próximos meses.
Apesar deste espírito competitivo o Santiago é um doce. Nos últimos tempos ganhou a alcunha de pega monstro porque está sempre agarrado a alguém. Ou está deitado em cima de mim no sofá ou está sentado ao colo do pai. Se não está abraçado ao Salvador a dizer que o adora, a ver televisão colado ao Leonardo ou a ser a sombra do Guilherme.
No outro dia perguntei-lhe como vai ser quando voltar à escola. Olhou para mim com lágrimas nos olhos e disse que vai ter muitas saudades.
Isto de estarmos todos juntos não é fácil mas quando chegar a hora da normalidade vai ser muito mais difícil.
Os dias continuam a passar, uns iguais aos outros. Muitas vezes tenho dificuldade em saber qual é o dia da semana em que estamos. O resumo dos últimos dias tem sido comer, ler, escola e brincar.
Passam uns iguais aos outros. A maioria do tempo não consigo sair da cozinha. A preparação de quatro refeições para seis pessoas ocupa imenso tempo. Para ser honesta ocupa mais tempo porque tenho inventado muito. Na necessidade de ocupar tempo virei-me para a culinária. Agora cá estou eu a fazer pasta caseira, tortilhas de raiz ou masmellos. Até que estou a adorar esta parte ao contrário do marido que diz que o número na balança está a subir.
O restante tempo é passado entre livros e escola. Ajudar os rapazes no envio dos trabalhos efectuados. Na organização das tarefas a cumprir, das aulas a assistir.
Tempo morto é coisa que não existe nesta casa, curioso não é?
O Salvador começou a ter febre na quarta-feira ao fim do dia. Ontem esteve prostrado o dia todo. A febre sobe de seis em seis horas e as amígdalas estão enormes. Estamos a vigiar os sintomas que nos parecem virais. Ontem à noite veio ter connosco, deitou-se no sofá e perguntou:
- Mãe achas que apanhei o Corona vírus?
- Claro que não meu filho. Estás apenas um pouco doente. Vais ver que logo ficas melhor.
O rapaz tem manifestado grande preocupação com a pandemia. Por mais que o tente proteger existem coisas que não se consegue, nem deve, esconder.
O Salvador é uma criança bastante sensível e preocupada. Nós temos que encontras estratégias para lhe transmitir segurança.
Ontem a tarde foi passada em video conferencias com as direstoras de turma dos rapazes mais velhos. Terminadas as reuniões fiquei com algumas ideias sobre o processo.
A maioria dos professores não fazem ideia do que fazer
Os mais antigos travam uma batalha com as novas tecnologias
Não sabem bem como vão avaliar os alunos
Revelam desconhecimento sobre as aulas que vão passar no canal de ensino
Estão cépticos sobre os programas que os alunos vão assistir
Elaboraram horários que ponderam ter que ser refeitos se o canal de ensino se revelar competente
Afirmam marcar falta a quem não assistir às aulas mas ontem foi necessário quase meia hora para verificar quem estava online. Se continuar a este ritmo não sobra tempo para a matéria.
Os pais estão horrorizados e em pânico
Muitos não tem computador em casa e não sabem como acompanhar a escola sem este ajudante
Quase todos desconhecem as aplicações de classroom, hangout chat, etc
Não sabem como apoiar os filhos e a manter o teletrabalho ao mesmo tempo
Alguns tem mais do que um filho na escola e não existe solução para as sobreposições de aulas assistidas
outros tem filhos pequenos que fazem barulho a toda a hora e questionam como evitar que o ruído perturbe o estudo
muitos estão a passar dificuldades financeiras (layout, desemprego...) acrescido agora ao stress de garantir que as crianças adquirem os conhecimentos que faltam
Alguns dos alunos estão radiantes. Esperam que toda esta confusão lhes permita transitar o ano sem trabalharem muito
Outros alunos estão com uma sede de conhecimento. Verificam o email a cada cinco minutos na esperança de receber trabalhos
Existem ainda os encaram toda esta situação com uma grande brincadeira. Fazem ruídos durante as vídeo conferencias perturbando os restantes colegas.
Muitos estão com receio de ficar doentes ou de verem os familiares ficarem doentes.
Todos estão fartos de estar fechados em casa
Quase todos sentem falta dos colegas e melhores amigos
Também os alunos estão a tentar aprender a trabalhar com muitas das aplicações que serão utilizadas.
Resumindo não será fácil para ninguém. A única coisa que nos resta é sermos compreensivos uns com os outros. Ajudar hoje alguém que está com alguma dificuldade e talvez aprender alguma coisa também. Não adianta disparar culpas mas sim procurar soluções. Se formos cordeais e cooperante havemos de conseguir. Ninguém vence uma batalha sozinho e é isso que temos que ter em mente.
No início do ano percebi que o meu aniversário iria calhar na sexta feira santa. Fiquei contente pelo facto de poder ter a família junta neste dia especial. Os miúdos não teriam que ir à escola, o marido não iria trabalhar. O fim de semana iria ser prolongado numa época que previlegia a família. Pensei convidar alguma família e amigos para acamparem cá em casa. Imaginei a casa cheia, com sofás transformados em camas, colchões insufláveis pelo chão, crianças a partilharem lençóis e uma mesa cheia.
Mal eu sabia que viria um minúsculo ser invisível a olho nú e nós roubar ia a liberdade, ainda que momentaneamente. Mal eu sabia que nem poderia abraçar os meus pais, os meus amigos. Que não teria a casa cheia de risos.
No entanto agora não é altura de lamentar mas sim de agradecer. Estamos todos bem ainda que separados. Tenho o marido e os meus filhos ao meu lado. O telemóvel não pára de tocar com mensagens e vídeos de parabéns.
Estou agradecida, tão agradecida por tudo o que a vida me proporciona. Agora vou aproveitar o dia. Fazer um bolo com os miúdos para mais tarde cantar os parabéns. Talvez fazer uma vídeo chamada na altura para nos juntarmos ao que estão longe.
Depois de mais de uma semana fechados em casa alguns bens essenciais começavam a faltar. Não tive outro remédio se não sair para ir às compras. Cheguei à porta do supermercado dez minutos antes da hora de abertura, entrei sem problemas e não vi nada de anormal. É certo que alguns bens desapareceram ou foram, estratégicamente, trocados pelos similares mais caros mas só compra quem quer. Eu acabei por não trazer certos produtos porque me recuso a pagar bens inflacionados. Talvez, num futuro próximo, terei que o fazer mas só quando não conseguir evitar.
No entanto o que mais me espantou foi a situação que vi quando saí do supermercado.
Ao sair do estabelecimento vi uma mãe com duas crianças a passar a fila de pessoas para falar com o segurança. Senti pena daquela mãe que se via forçada a levar as crianças consigo, uma ainda de colo e outra que não teria mais que 3 anos. Enquanto avançava para o carro vi um homem com um carrinho aproximar-se da entrada. Estranhei o facto e observei um pouco. Percebi que a mãe que tinha passado por mim e que tinha entrado no supermercado tinha parado a poucos metros da porta à espera. O homem explicava algo ao segurança enquanto apontava para a senhora e as duas crianças. O segurança limitava-se a abanar a cabeça recusando deixar o homem entrar.
Afinal a pobre mãe que se via obrigada a ir às compras com as crianças não estava sozinha. Fiquei chocada. As pessoas continuam a fazer o que bem entenderem sem pensar nos resultados das suas acções.
Ontem à hora de jantar perguntei aos mais velhos se queriam dar um pequeno passeio comigo. Faz quase um mês que não saem da propriedade e a nossa saúde mental começa a dar conta disso.
Disseram prontamente que sim. Pedi que fossem preparar enquanto arrumava a cozinha. Minutos depois o Guilherme veio dizer que o Leonardo estava com muito medo de sair. Resolvi esclarecer o assunto e fui conversar com ele. Sim tinha algum receio mas nada comparado com o que o mais velho tinha dito. Pensei que talvez o mais velho tivesse juntado o seu medo ao assunto.
No fim acabamos por sair perto das nove da noite. Se durante o dia vemos muitas pessoas a caminhar a noite é o oposto. Tivemos as ruas para nós. Os animais fazem mais ruído que o habitual. Ouvimos o sino de uma igreja que nunca antes tinha soado. Ao chegar à casa os rapazes referiram que tinha sido muito bom esticar as pernas.
Claro que não o vamos fazer todos os dias mas vai passar a fazer parte dos nossos planos com alguma regularidade.