Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
Não tenho sido muito honesta com os meus filhos. Nunca lhes menti mas, nestes últimos tempos, tenho omitido a verdade.
As notícias são vistas quando eles estão entretidos no piso de cima. As conversas sobre o tema são tidas sorrateiramente. Quando entram em cena o tema é contornado e retomado um pouco mais tarde.
Não sei se estamos a fazer bem ou mal. Não sei se deveríamos ser sinceros e explicar tudo o que se está a passar? Como explicar algo que nem nós adultos percebemos? Pensar que afinal não estamos tão avançados como pensávamos. Que o número de mortos não pára de subir. Um amontoado de caixões, pessoas impedidas de dizer um último adeus, pessoas impedidas de apoiar pessoas chegadas neste momento de dor.
Não me sinto preparada para expor os meus filhos a esta realidade. Não quero que se deitem à noite com medo. Nem que passem os dias preocupados. Não quero que esta pandemia lhes roube a infância.
Todos assistimos a criança que foram obrigadas a crescer cedo demais. Fome, guerra, órfãos... Todas elas não devidamente protegidas.
Não quero isso para os meus filhos. Posso estar a agir mal, mas neste momento não lhes quero transmitir medo.
Por isso mantemos a calma e vivemos a situação com a maior normalidade possível. Sabem que existe uma doença e que não podemos sair de casa. Que não sabemos quando vamos voltar à escola ou a abraçar os avós.
Não fazem perguntas o que nos ajuda a manter a informação sonegada. Neste momento estão mais concentrados em aproveitar ter a família reunida durante tanto tempo.
Não fiz horários nem ementas semanais. Não tenho planeadas actividades nem ocupações para os tempos livres.
A meu ver a nossas crianças estão sujeitas a uma correria constante no dia a dia. Estão tão habituadas a que alguém lhes diga o que fazer durante todas as horas do dia que não sabem o que fazer quando isso não acontece. Estamos aborrecidos! É uma coisa que dizem sempre que estão desocupados.
Pois quero aproveitar este isolamento para ensinar aos meus filhos a promoverem as suas próprias ocupações ou desocupações.
Um simples momento a relaxar ao sol é para mim uma grande vitória
Nós últimos dias o meu telemóvel tem vindo a alertar para a chegada deste dia. Ainda agora me relembrou que estava a pouco mais de duas horas de embarcar para mais uma aventura.
Foram meses de planeamento. Horas à procura do voo mais económico e do melhor local para a estadia. Pesquisas intensivas sobre o que visitar, os meios de transporte a utilizar. Dias as estudar as linhas de metro e comboio.
Toda a preparação fez crescer em mim a vontade de conhecer. Já me via a apreciar aquela dita paisagem, a percorrer aquele determinado monumento ou rua. A fazer aquela viagem de comboio.
Infelizmente todos estes planos tiveram que ser adiados para uma data indefinida. A incerteza dos tempos que vivemos faz com que outras coisas se tornem mais importantes.
No entanto o sonho ainda vive em mim pelo que o adeus não é mesmo um adeus mas sim um até qualquer dia.
Contudo o meu dedo anelar teve um desentendimento com o trampolim. O trampolim continua intacto já o dedo nem por isso. Está inchado e a mudar de cor. É doloroso escrever e pegar em objectos.
Só me resta dizer que a sorte não tem parado muito cá em casa🙄
Os dias vão passando mas ainda não entramos em velocidade de cruzeiro. Estamos perante uma série de novas rotinas a que ainda não nos adaptamos. O comer escasseia no supermercado, é necessário madrugar e acampar à porta do supermercado, no mínimo, meia hora antes da abertura. Só assim conseguimos ter a certeza de encontrar fruta e legumes. Ao longo do dia a situação fica mais complicada, as filas aumentam é necessário esperar mais tempo na incerteza de encontrar o que necessitamos. As compras online também estão difíceis, não existem muitos artigos e quando tentamos finalizar o carrinho recebemos informação que não tem stock de metade dos artigos que escolhemos.
Medo é uma coisa que está presente em todos nós. Como já referi várias vezes não tenho medo do vírus em si mas sim do comportamento humano. As pessoas continuam a comprar como se os mercados fossem fechar hoje, todos os dias é a mesma coisa, sinceramente não sei onde guardam tanta coisa. O facto de comprarem tanto significa que outros ficam sem nada para levar para casa. Pensem nas pessoas que não têm capacidade financeira para fazer stocks. Naquelas que não têm veículos e cujas forças escasseiam para carregar muito peso.
Em casa tentamos explicar aos rapazes que é preciso contenção. Ninguém têm que passar fome mas não precisamos comer este mundo e o outro. É difícil com quatro rapazes, dois na pré adolescência, mas é necessário. Este tipo de situações fazem com que cresçamos. Aprendemos a dar mais valor ao que, anteriormente, dávamos por garantido.
A liberdade, a abundância de comida, a educação escolar, o convívio com amigos, o abraço a um ente querido.
Espero que tudo volte à normalidade porque tenho saudades de muita coisa e mal posso esperar para as fazer de novo.
Na sexta-feira passada demos um passo num sonho que temos tido nos últimos tempos. Foi com enorme orgulho que nos tornamos proprietários de uma casa centenária no interior do país. Se tudo correr bem será o nosso melhor refúgio para férias. Fica numa daquelas aldeias onde a rede de telemóvel não chega, onde todos se conhecem e nos dizem bom dia.
Na minha imaginação vejo os meus filhos sempre fora de casa a passarem as tardes a enrrugar na piscina de rio. Quase que os vejo a voltarem a casa à pressa para tomarem banho e, logo saírem de novo ao encontro dos amigos. Eu estarei radiante de os ver em liberdade sem ter que me preocupar com os perigos.
Claro que neste momento tudo não passa de imaginação minha. A casa está muito degradada, afinal tem quase 100 anos. Será necessário fazer obras mas com tudo o que se está a passar a situação ficou parada. Agora temos que esperar que tudo passe para podermos avançar e tornar o nosso sonho realidade.
Os rapazes sem escola. O marido com o braço direito imobilizado e cheio de dores. A mãe preste a enlouquecer só de pensar que vai passar quase mais um mês a tratar de cinco.
Adoro a minha família mas todos precisamos de espaço, ou pelo menos eu preciso de espaço. Gosto da algazarra mas também adoro a solidão, só eu e o meu livro sem interrupções. Ontem fugi para o quintal, só para poder ler algumas páginas sossegada. Ainda assim ouvi os rapazes dentro de casa a chamar por mim. O pai dizia que eu tinha saído mas eles continuaram no meu encalço. Por fim o Santiago vestiu o casaco, calcou os sapatos e foi dar comigo escondida na cama de rede. Claro que já não se calou mais, estão numa fase que falam pelos cotovelos. Falam tanto que fico com a cabeça cansada só de os ouvir.
Chamam por mim 5000 mil vezes. Pedem comer a toda a hora. Tentamos explicar que a comida não abunda nos supermercados e que devemos evitar esses sítios. Na verdade a minha decisão de evitar os supermercados não é tanto pelo receio de apanhar o vírus, mas sim pelo comportamento humano. A ultima vez que pus os pés num assisti a duas mulheres que quase partiram para a violência pelo ultimo molhe de brócolos. É triste ver este tipo de comportamentos mas demonstram bem o que nos tornamos. Pensamos em nós, nós, nós, nós , nós e só depois nos outros. Se tivemos este descalabro por causa de um vírus imaginem se estivéssemos perante uma situação extremamente grave.
Seria bom que agora que a maioria está fechada em casa aproveitasse para reflectir sobre as nossas atitudes e valores. A mudança parte de todos nós.
Nós por aqui vamos tentar gerir o comer que temos em casa e talvez recorrer às entregas em casa, se ainda estiverem a funcionar.
Antes de mais quero pedir desculpa porque estou a escrever o post totalmente fora da data limite. Os últimos dias não tem sido fáceis mas não apenas por más noticias. Alcançamos até um grande objectivo pessoal mas falo sobre isso num próximos posto.
Como já referi não cumpri a data mas ainda assim quis cumprir aquilo a que comprometi.
Foi pedido para escrever o nosso elogio fúnebre. Não sei bem o que se passa com a passarada, se calhar estão com medo do COVID 19 e assim a malta já sabe o que dizer no seu funeral.
Eu não posso escrever sobre o que quero que seja dito porque não quero palavras nesse dia. Não preciso, nem quero que vão chorar por mim. Nem tão pouco que vão dizer coisas bonitas que, muitas vezes, nem são sentidas. Sabem bem do que me refiro, uma pessoa é um demónio em vida mas quando morre vai tudo dizer que tinha um coração maravilhoso.
Não. Não quero nada disso. Vou já avisar que não quero flores, é um grande desperdício de dinheiro, já sabem como sou forreta. O caixão é o mais barato e de preferência tratem de me cremar para depois não gastarem mais euros comigo. Inicialmente disse para doarem o meu corpo à ciência e assim pouparem o funeral, mas descobri que após utilizarem o corpo o devolvem à família. Considero imensamente rude usarem uma pessoa e nem pagarem o enterro. Também já dei instruções ao marido que se puder se desfasa do corpo, vale tudo para poupar uns trocos.
A verdade é que não quero saber. Quando partir parti. Fica cá um corpo, apenas um corpo. Fiquem com as memórias, como os bons e maus tempos que partilhamos. Com o carinho que trocamos. Guardem isso dentro de vós porque mais ninguém precisa de o saber.