Uma mãe obsessiva, um pai muito stressado e 4 filhotes. O mais velho hiperativo, o segundo com um feitio muito particular e dois bebes gemeos. Tanta cabeça debaixo do mesmo tecto não pode dar coisa boa.
Reza a história que um menino, chamado Guilherme, criou um grupo no whatsapp intitulado "prenda para a mãe" e o encheu de fotografias. A inspiração foi a feira de minerais que se deslocou à escola nos dias que antecederam o Natal. O pai do rapaz concordou e forneceu uns euros para a compra da dita prenda.
A mãe descobriu a história e ficou em pulgas para abrir o presente.
Mentira! A mãe não precisava de o abrir para saber que iria adorar. Porque o que interessa é o gesto e este foi extremamente bonito.
Quem nos segue nas redes sociais sabe que ontem o nosso Guilherme foi sujeito a uma cirurgia aos dois pés. O que não sabem é que foi acompanhado por uma mãe completamente afónica. Na noite de Natal fui atingida por uma crise alérgica que só piorou no dia 25. Como resultado ontem estava praticamente sem voz. O rapaz estava nervoso e queria conversa. Eu queria explicar as coisas para o tranquilizar mas sem voz foi impossível.
Os diferentes funcionários passavam por nós dando os bons dias, eu respondia mas o som só era audível a dez centímetros de distância. Penso que, inicialmente, pensaram que eu nem respondia de volta. Por fim perceberam e eu passei a comunicar com acenos de cabeça.
Ao longo do dia choveram telefonemas para saber do rapaz e eu tentei falar com todas as pessoas.
Regressamos a casa exaustos. Correu tudo bem. O rapaz não tem dores, dormiu a noite toda, já passa das nove e ainda não acordou.
Vamos repousar nos próximos dias e voltar ao normal em menos de nada.
- António Silva, prazer. - disse enquanto apertei o casco da rena
- Então o senhor que está aqui para a entrevista?
- Sim, claro que sim. Tenho feito vários trabalhos como figurante de Pai Natal. Penso que estou apto para assumir o lugar.
- Vamos ver... Vejo que tem um currículo bastante extenso.
- Tenho muita experiência.
- Mas não é bem a mesma coisa. Convenhamos que brincar ao Pai Natal não é o mesmo que o ser. Por exemplo já há pensou que terá que viver na Lapónia o ano inteiro?
- O ano inteiro?
- Claro que sim.
- Bem lá terá que ser. Espero que a casa tenha aquecimento porque aquilo parece frio como tudo.
- Ainda bem entrou e já está com exigências?
- Não são bem exigências... Só que não quero passar frio.
- O Pai Natal está connosco à vários anos e nunca se queixou.
- Se serve para ele serve para mim.
- Reparei que tem algum peso.
- Claro, onde já se viu um Pai Natal sem barriga.
- Por acaso estávamos a pensar revolucionar a imagem. As preocupações com a saúde e uma alimentação saudável estão a crescer e queremos tirar partido delas. A última coisa que queremos é ser acusados de influenciar as crianças a terem excesso de peso. Para além de que o prémio do seguro é inflacionado pelo número da balança.
- Então quer que eu perca tempo?
- E já agora calculo que não tenha problemas em trabalhar com animais e criaturas místicas. A última coisa que precisamos é daqueles activista dos direitos animais atrás de nós. Também tem que ser ecologista para não chatear a Greta..
- Sabe que mais? Esqueça lá isso. Deveriam estar interessados em tornar o Natal especial para as crianças e não em ecologista, activistas... Obrigada mas assim não quero o lugar.
Entrei no elevador com os meus gémeos e a minha tia de canadianas. O elevador estava relativamente cheio e ficamos logo à porta. Ao lado um par de jarras a impossibilitar o acesso aos botões. Pedi ao Santiago para pressionar o andar em que iriamos sair. O rapaz tentou mas como as duas senhoras nem se mexeram um centímetro não conseguiu. A minha tia que era a pessoa mais próxima tentou alcançar o botão. Com o movimento uma das canadiana fugiu-lhe das mãos. Aterrou bem perto do pé de uma das ditas senhoras que nos lançou um olhar bastante reprovador. Não fez qualquer movimento para ajudar a apanhar o objeto embora tivesse espaço de sobra para o fazer. O Santiago baixou-se e lá agarrou na parte metálica para a voltar a colocar de pé. Eu desejei que sem querer acertasse em cheio na senhora. Sinceramente desejei.
Sei que vão pensar que sou má mas a verdade é que fico possessa com esta sociedade em que vivemos atualmente. Parece que a humanidade está a desaparecer. Olho em volta e vejo pessoas que só pensam no próprio umbigo sem qualquer preocupação por terceiros. Não existe respeito por ninguém, pisam-se uns aos outros por um lugar melhor. Vendem a sua integridade por truta e meia. Insultam outros só porque sim.
São pessoas maravilhosas nas redes sociais com correntes de solidariedade para aqui e para ali mas na vida real viram a cara a quem realmente precisa.
Vejo tudo isto todos os dias. Pais que não aceitam que os filhos tenham um colega diferente. Outros que não aceitam que os filhos não são uns anjos. Colegas que sobem à custa de denegrir os outros.
Assisto a tudo isto a fervilhar por dentro. Sinceramente não nasci para isto.
O cansaço tomou conta de mim. Não foi uma coisa rápida. Foi crescendo e acomulando ao longo do tempo.
Imaginem que estão a brincar na água fria do mar ou do rio. No início está tudo óptimo. Um pouco depois começam a sentir o corpo a arrefecer mas a brincadeira está a ser tão divertida que adiamos a saída. Algum tempo depois começamos a sentir frio mas como somos teimosos continuamos a brincar. Ficamos a aproveitar até que damos por nós a bater o dente, aceitamos então que precisamos sair e aquecer.
O aparecimento do cansaço, da exaustão foi muito similar. Apareceu e foi crescendo um pouco a cada dia que passa. Não é falta de horas de sono porque durmo muito bem. É apenas resultado da correria constante entre um emprego a tempo inteiro e manter uma casa de seis. É a correria de que saí à que horas e quem o vai buscar. São os dias de piscina, de futebol, de explicações, de desporto escolar. As consultas e consultas...
Estou esquecida e baralhada. O marido reclama porque não puxo o travão de mão do carro. Troco microondas com armários. Todos os dias digo que vou tentar ser melhor mãe, melhor esposa mas quando chega a noite estou saturada e nem tenho paciência para mim.
Sei que é apenas uma fase. As férias estão mesmo à porta. No entanto temos tanta coisa para fazer nesses dias que nem sei se vou conseguir descansar.
Meu filho hoje casas os anos, dez anos de existência. Parece que ainda ontem te carregava no meu ventre, cheio de pressa de vir ao mundo. Assim és tu. Não és apressado nem inquieto mas tens uma sede imensa de conhecimento. Tiveste pressa de nascer, pressa de andar. Bastava olhar para ti e todos nós percebíamos a curiosidade de brotava dos teus olhos. Eras tão especial que cada vez que estavas doente a avó Alice dizia para ter muito cuidado porque parecia que não pertencias a este mundo.
Eras teimoso e opinativo desde a mais tenra idade. Sempre soubeste o que querias e não desistias até o conseguires. Passavas horas a montar puzzles para uma idade muito superior à tua. Quando este deixava de ser um desafio viravas as peças e montavas o puzzles com a imagem virada para o chão. Aos três anos convenceste a avó que sabias ler. Reconhecias palavras como morango, banana, jogos, sim, não. Deram-te um iogurte para as mãos e tu disseste morango enquanto apontavas para a palavra. Quando te fui buscar estava tudo radiante porque tu já sabias ler. Foi uma risota geral nesse dia.
Tal como foi uma risota quando, uns dias depois, roubaste um pedaço de pão da mão da senhora que o estendia à neta. Foste educado e disseste obrigado enquanto abalavas com o pedaço de pão na mão. Ainda hoje sorrio quando me lembro.
Na creche foste difícil. A educadora desesperava contigo. Dizia que não comprava brigas porque não tinha pulso para lidar contigo. Cinco anos e ela tinha medo de te enfurecer. Andavas frustado e ninguém percebia porquê. Fomos encaminhados para fazer uma avaliação que só confirmou o que já sabíamos no fundo. Estavas muito avançado para a idade e a creche não constituída desafio para ti. Assim foste para o primeiro ano com cinco anos e o teu comportamento mudou do dia para a noite. A alegria voltou ao teu olhar. O entusiasmo de aprender a ler e a fazer contas. Estás sempre pronto a aprender, queres sempre saber mais e mais. Só é pena essa tua ambição de teres de ser o melhor. Espero que com o tempo percebas que não interessa ganhar ou perder mas sim o participar. É que muitas vezes não participas só para não correres o risco de não ganhar. Compreende que o meu orgulho por ti é independente do que vais alcançar na vida. Vou amar-te para sempre.
O fim do filme chegou e ela nem queria quer. Viu o “The End” meio tremido por entre as lágrimas que lhe corriam pelos olhos.
O final tinha sido triste, triste demais. Tão triste que sentia uma revolta surgir dentro de si. Como é que tinham tido coragem de matar o protagonista? Havia sido uma personagem genial que os cativara desde o primeiro minuto. Cómico, sério, aventureiro. Graças a ele tinha embarcado numa aventura. Deixara o seu lugar no cinema e tinha viajado para dentro de tela.
Tanta emoção e suspense para agora o ver morrer no fim. Uma desilusão crescia dentro de si. Desejava poder reescrever aquele final tão trágico. A personagem merecia melhor. Merecia continuar viva para, quem sabe, cativar outros em próximas aventuras.
Abandonou a sala escura com a sua mente a divagar com milhares de finais possíveis, todos eles melhores que aquele. Podia ter sido baleado mas conseguir sobreviver após uma luta entre a vida e a morte. Poderia ter conseguido disparar primeiro e evitar assim o seu ferimento. Ou antecipado a bala e fugindo assim da sua trajetória. Talvez ter levado reforços. Também podia não ter ido de todo.
Dava cada passo com a cabeça a pensar no final. Quanto mais pensava mas percebia que afinal o fim não havia sido assim tão mal.